quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Trilho do Castelejo 2015


Alvados, Porto de Mós, Serra de Aire, uma zona que vale a pena visitar.

Caso se possa juntar à visita, uma caminhada, uma corrida ou uma actividade de Btt, ainda melhor.

Foi na edição de 2012 desta prova que a “equipa” se estreou no Trail, e logo lhe tomámos o gosto. Não só pela corrida propriamente dita, mas também pela beleza e imponência daquelas serranias.

Como fica relativamente perto de casa, é opção esporádica para treino (ou mais correctamente: passeio, uma vez que a palavra treino tem uma carga de rigor e disciplina que não estou interessado em associar a um passatempo…).

Alvados fica num vale. Os montes que rodeiam a localidade estão minados de grutas naturais, sendo a passagem pelo interior das grutas um “ex-libris” da prova.

Este ano, o Trail Curto passou pelo interior das grutas de Alvados e o Trail Longo passou ainda pelas grutas de S. António.

Com inscrição feita para a versão longa, 45 km, tudo parecia apontar para um dia muito bem passado.

Todavia, as corridas de inverno podem sempre ter algo que as complique. O estado do tempo, e de forma individual, alguma gripe, constipação ou coisa que o valha, que podem deitar abaixo as pretensões do atleta!

Assim, três dias antes da prova chega uma febre ligeira. Tudo bem, tenho “brufens e benurons”. Pacífico!

Sexta-feira, os sintomas agravam-se. Mais “brufens e benurons”.

Sábado, pior ainda. Convenço-me de que não vai dar, e, a opção mais sensata será a de ficar em repouso e resguardo, tanto mais que a previsão para a zona é de frio e alguma chuva.

Domingo, 7h00, o bom senso está adormecido, e antes que desperte toma-se um brufen para aliviar a febre e seguir para Alvados.

A opção é, ir avaliando a disposição até à hora da partida, e logo se decide se alinho ou não.
Durante a prova Mini Trail

Paulo Amaro a chegar à meta

Entretanto, quando levanto o dorsal falo com a organização no sentido de alterar a inscrição para o Mini Trail. Dizem-me que não há problema.

Às 9h00 dá-se a partida debaixo de um “tempo de cão”, vento e frio de arrepiar. Mas o brufen e uma pequena loucura natural são armas poderosas contra a intempérie :)

Após a partida são 23 quilómetros pelas encostas da zona, incluindo a passagem pelo interior de um centro hípico, onde havia um abastecimento, e a tradicional passagem pelo interior das Grutas de Alvados.

A versão ”Mini” desta prova parece ser muito indicada a quem se está a iniciar nestas andanças! Não é muito dura, é acessível a toda gente com um mínimo de treino, a paisagem é bonita, passa pelo interior de grutas, o que é sempre um momento especial, enfim..,  vale a pena!

No entanto, devido à debilidade física com que participei, posso bem afirmar que me custou mais este Mini Trail do que o Ultra dos Abutres de há duas semanas atrás. De facto foi um esforço enorme cada quilómetro percorrido. A patologia (febre e dores de garganta) agravou-se de tal modo que no dia seguinte tive, finalmente, de ir ao hospital, de onde saí a antibióticos.

Entretanto saem as classificações e constato que não figuro na tabela. Obrigado Organização, escusavam de ter dito que aceitavam a alteração. Também não faço questão de ser classificado com 3h19, o que daria um lugar de 177 em 226 chegados. O grande objectivo era mesmo a distância de 45k :(

A organização esteve bem de forma global, embora denote muito amadorismo em alguns aspectos de logística básica.

Na véspera ainda estavam a lançar apelo a voluntários para ajudar no dia da prova!

Ainda assim, prefiro este tipo de organização de pessoas genuínas, do que muito mercantilismo que se vê actualmente nos trails.

Tive pena de não fazer a prova grande e hei-de fazê-la em treino, logo que melhore.

Para já, não posso sequer ouvir falar em corrida!

Daqui até ao Piódão ainda falta algum tempo e durante uns dias vou alinhar numa filosofia de treino chamada “Método Badolas”, se não conhecem vejam aqui o seu conceito elementar. É fácil :)!!

A equipa esteve no entanto representada ao mais alto nível pelo Paulo Amaro que, na distância 45k fez um excelente 34º lugar da geral, com 5h32m.

Boas corridas!

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Trilhos dos Abutres 2015


Os Trilhos dos Abutres é talvez a prova mais desejada do Trail nacional. Tornou-se quase uma Meca nesta modalidade.
Dorsal 608 - Ultra Trilhos dos Abutres 2015

O fenómeno é interessante, junta a espectacularidade da Serra da Lousã com um grau de dureza superior à maioria das outras provas, o que, constitui um desafio para quem quer ir um pouco além nas suas conquistas desportivas.

Depois é um pouco de “passa-a-palavra” e uma ideia de “quanto-pior-melhor”, típica desses Locos que corren em trilhos, gerando-se assim um fenómeno de popularidade sem comparação no panorama do Trail nacional.

As inscrições abriram às 00h00 de 03 de Novembro, tendo-se esgotado em poucas horas.

Quem deixou para a manhã do dia seguinte a tarefa de se inscrever, deparou-se com a “Loja encerrada” e com a existência de uma lista de espera já com umas centenas de atletas.

Decididamente, se não fosse o colega de equipa, Paulo Amaro a disponibilizar-se para fazer serão até à hora de abertura das inscrições, eu teria tentado a inscrição apenas pela manhã. Ainda para mais, tendo acabado de correr a Maratona do Porto, o corpo pedia uma boa noite de descanso!
Os do PelaEstradaFora - Foto: JoãoLopes Trilhos dos Abutres

Assim, com a inscrição feita, iria correr pela segunda vez nesta prova mítica.

Em 2013 havia participado, tendo então estabelecido o meu record pessoal de tempo a correr, 09h12m.

Há cerca de duas semanas comecei a ficar apreensivo ao ver nas notícias um valente nevão na Serra da Lousã.

Conhecendo já o terreno por onde andaríamos nesta esta prova, julgo que seria um pouco suicida ir para lá com neve ou gelo.

Acresce que tenho uma enorme dificuldade em aquecer os pés e as mãos em tempo frio, problema que não se coloca enquanto dura a corrida, mas quanto paro, ou quando o terreno não permite correr com a intensidade necessária para gerar o calor necessário, começo a ver as pontas dos dedos a perder a cor e a ficar dormentes, tanto das mãos como dos pés!

Havia que ir prevenido com umas luvas suplentes e umas meias de neoprene para o que desse e viesse!

Chegado o dia da prova, toca(m) o(s) despertador(es) às cinco da manhã, e rumo de Leiria a Miranda do Corvo.

Logo à chegada encontro-me com o resto da equipa presente (1 J) que já tinha entretanto recebido um SMS dando conta do adiamento da prova para as 10h00.
Prestes a partir - Foto: JoãoLopes Trilhos dos Abutres

Apreensão…, este adiamento para um atleta de “nove horas” é terrível, porque significa que a última parte da prova será feita de noite.

O tempo em Miranda do Corvo não estava mau, todavia, avistavam-se nuvens negras a cobrir a serra.
Zona da partida. Apesar de não chover no local, via-se a serra coberta por um manto de nuvens negras.

Aproxima-se a hora da partida. A organização presta alguns esclarecimentos acerca das alterações que foram efectuadas à última hora e as respectivas razões.

Finalmente às 10h00 começa a corrida.
Arredores de Miranda do Corvo - Foto: Pedro Sequeira

Início pelas estradas e ruas de Miranda do Corvo, onde começamos a ter noção das razões que levaram ao adiamento da partida. Havia zonas completamente alagadas.

Um parque de lazer estava completamente submerso, vendo-se apenas fora d’água as partes superiores dos baloiços da zona infantil e as traves de duas balizas de um campo de futebol.

No entanto não chovia e a temperatura era amena.

Passado 3 ou 4 quilómetros saímos do alcatrão para iniciar a aventura pelos caminhos da serra.

Alguns caminhos estavam convertidos em autenticas ribeiras de água e lama, pelo que, quem ainda evitava “molhar a meia” cedo desistiu de tal ideia.

A progressão era difícil. Os caminhos alagados e a lama abundante obrigavam a um esforço adicional.
Trilho junto a um ribeiro

Devido ao facto de ter os pés constantemente dentro de água, começo a sentir frio. Ao fim de 2 horas de prova já estava a sentir dificuldades com os pés dormentes e a doer. Comecei a pensar seriamente em trocar de meias.

Entretanto, saímos de zonas de água e lama, adio a decisão das meias, pensando aquecer com a corrida.

Não tardou no entanto a convencer-me de que não valia a pena o sacrifício, uma vez que os pés continuavam frios e dormentes, dando-me a sensação de que tinha dois tijolos dentro das sapatilhas.

Por fim decido parar e fazer a troca de meias. Sentei-me numas escadas de pedra de uma espécie de esplanada numa casa antiga e comecei a tirar as meias de compressão a fim de calçar as de neoprene.

Esta troca demora cerca de 10 minutos. O frio tolhia-me os movimentos, as meias de compressão pareciam feitas de malha de aço e as mãos não tinham força suficiente para a operação…
Cascata digna de se parar para tirar uma foto...

Entretanto, passavam dezenas de atletas que seguiam felizes o seu caminho. Alguns deles que reconhecia de ter ultrapassado pouco antes, à custa de muito esforço.

Tenho a firme convicção de que estas corridas são a feijões, e de que, ando nisto apenas para me divertir; no entanto naqueles minutos em que estive ali parado a ver passar aquela gente toda, sentia como se me estivessem a tirar um rim com uma faca romba!

Bolas! Tanto esforço para nada.

Volto novamente a correr e chego ao primeiro abastecimento.

Pouco depois e começa a verdadeira subida da serra.

O tempo não está mau de todo. À parte de umas chuvadas de granizo, a situação não está má. O impermeável vai atado à cintura a maior parte do tempo.

De facto, a dureza da prova não estava a ser superior à de 2013, sendo até menos técnica em virtude de algumas alterações ao percurso.

Com 24 quilómetros percorridos, perto do ponto mais alto da serra, constato que levo mais de 4 horas de prova e convenço-me de que não vou fazer um tempo melhor do que em 2013. Tenho a clara noção pela experiência anterior, de que as dificuldades não vão diminuir. Se calhar até vão agravar-se com o cair da noite!

Com o aumento de altitude a temperatura cai proporcionalmente. Nada de novo. Recordo-me de em Junho nesta serra, ter rapado um frio dos diabos, no Louzan Trail, quando da passagem pelo Trevim.

Agora, em Janeiro, não seria razoável esperar muito calor…

Bem o resto da prova seguiu sempre no mesmo registo. Frio, uma ou outra chuvada e sobretudo, lama, muita lama.
Paulo Amaro - 7h 14m, 76º lugar da geral

Para quem não conhece o traçado dos Abutres, convém dizer que grande parte da prova é feita à beira de correntes de água, pelos vales descendentes das encostas, em veredas muito estreitas, feitas à base de lages escorregadias, rampas a pique de terra enlameada, que nesta altura do ano são perigosíssimas.

Alguns destes declives são descidos a escorregar tipo “Ski”. Uma das poucas quedas que dei nesta prova foi numa destas descidas. Ao chegar à dita descida não vi maneira de descer de pé firme.

A inclinação era quase vertical, não havia árvores ou cordas para agarrar, a solução era “Ski” ou “Sku”, escolhi a primeira. Posso dizer que até foi divertido! Mas perto do final da ladeira um dos pés deslizou mais rápido do que o outro e o resto da descida foi em queda descontrolada. Felizmente o chão era macio e não houve nada de mais!

Entretanto cai a noite e é preciso ligar o frontal.

Agora não há mesmo margem para brincadeiras. Cada metro é uma potencial queda. A dificuldade técnica não abrandou, antes pelo contrário.

Já nos quilómetros 40, apanhamos um trilho bastante técnico junto a um ribeiro, onde toda a atenção é pouca. O desastre espreita na escuridão. A luz do frontal ao incidir no vapor da respiração forma uma cortina opaca não deixando ver nada à frente. É necessário respirar sempre para o lado, a favor da aragem.

Por fim chega-se ao último abastecimento.

Na breve conversa com um dos elementos da organização que estava neste local, ficamos a saber que temos pela frente um caminho normalmente fácil mas agora tem um bocado de lama. Outro fulano da organização (ou voluntário, não sei) está a rir entredentes e deixa escapar, “pois, um bocadito de lama até à cintura”.

Fico apreensivo. Já estava farto de lama até à ponta dos cabelos…

Pois, parece que era verdade!

A frase “lama até à cintura” pressupunha uma estatura mediana/alta do artista!

Nunca tinha estado num atoleiro daquela dimensão (fez-me lembrar o sistema político nacional).

Ao dar um passo nunca se sabia se “tinha pé” a 10 cm, 20 cm ou se me atolava até à cintura. Inacreditável!

Um último requinte, uma Levada de água interminável, que em 2013 me tinha mexido com os nervos. Agora no entanto, já ia de tal modo em “automático” que nem liguei grande coisa.

Entra-se então na etapa final de alcatrão, que apesar de aborrecido, anunciava o final da epopeia.

À chegada à meta. Com um look "Sem-Abrigo" :)



Finalmente chego ao pavilhão de Miranda do Corvo. Entro, corto a meta,… desligo o relógio,… olho em volta,…dos membros da organização nem uma palavra,… pergunto a alguém se não há um prémio finisher como habitualmente, indicam-me com indiferença uma mesa onde estão os ditos troféus,… enfim,.., recordo agora com saudade outras ocasiões onde os directores de prova cumprimentam os últimos atletas com o mesmo entusiasmo dos primeiros…, mas “prontos”, não se pode ter tudo.


De resto, a Organização esteve bem nos aspectos essenciais, tomando as decisões que se impunham face às condicionantes do terreno e do tempo.


Compreendo a frustração de quem se viu barrado no controlo da Sra. da Piedade de Tábuas, que a meu ver estava demasiado apertado, mas de facto temos de ter consciência de que os Trilhos dos Abutres não é uma prova qualquer e que se poderiam gerar situações muito graves caso as condições climatéricas piorassem com o cair da noite.
Classificação final em 267º lugar com 9h08m.
Partiram 613 atletas, sendo que 277 não passaram do 1º controlo. Chegaram à meta apenas 319 atletas.

Balanço muito positivo para estes Abutres de 2015!